quarta-feira, 27 de maio de 2009

MUSEU DO TERROR

Demoraram quase quinze dias para montar todo o parque. Finalmente, na sexta-feira, a bilheteria abriu. Filas e mais filas se formaram para os brinquedos e as atrações principais. Isolado, em um extremo do quarteirão, ficava o Museu do Terror, que não acumulava visitantes em sua entrada.
Uma menina puxando pelo barbante um balão de gás em forma de coração pediu ao pai que a levasse naquele brinquedo. O pai disse que aquele não era um lugar para se visitar, nem mesmo era um brinquedo. E além do mais deveria ser um tanto mórbido. A menina perguntou o que era mórbido. Bateu pé, quase esperneou. Queria entrar. Estava resoluta em sua decisão.
O pai preferiu não discutir e nem explicar o significado da palavra que ela não conhecia. Apenas acatou, faria a vontade da filha, afinal, só encontrava a menina aos finais de semana. Durante os outros dias, ela ficava com a mãe. Queria ser um bom pai no fim das contas.
Uma velha gorda, com um dragão tatuado no ombro, carimbou as mãos dos dois. Agora teriam livre acesso ao brinquedo. Pai e filha entraram depois de empurrar uma espessa cortina de pano negro. O lugar era amplo e mantinha-se na penumbra. Luminárias estavam estrategicamente instaladas sobre dezenas de caixas de vidro. O tamanho das caixas variava de acordo com o objeto que ostentavam. Todas tinham uma placa de metal contendo algum texto informativo. Diferentes, porém, de quaisquer textos encontrados em museus tradicionais. Às vezes, as plaquetas apresentavam apenas o nome, a origem ou um dado relevante sobre a coisa em exposição. No geral, se resumiam a mensagens curtas e incompletas.
Os dois caminharam até a caixa mais próxima. Solícito, o pai leu para a filha. A menina ainda não estava na escola, mesmo assim já sabia juntar as sílabas e compreender parte do que permanecia gravado na plaqueta.
— Artefato: A Mão do Macaco. Origem: Índia. Concede três desejos a três pessoas diferentes. Cuidado com o que você deseja!
— Posso fazer um pedido, papai?
— Não, filha! Não perca o seu tempo. Além do mais, você acha que essa coisa seca, com garras e pelos nos trará sorte? Eu sei o que você quer. Quer um pacote de pipoca doce, não é mesmo? Não precisa pedir. Eu comprarei. Tudo bem?
— Tá bom. Olha aquela coisa na outra caixa, papai — a menina cheia de ânimo apontou para um canto.
Era um gato preto mumificado. Na placa não havia qualquer informação além do nome do felino: Pluto.
— Pobre gatinho, papai. Ele não tem um dos olhos.
— Bizarro o bichano — murmurou o pai.
Mais adiante, os dois encontraram uma caixa de tamanho médio vazia.
— Por que não tem nada aí dentro, papai?
— Vou ler o que diz aqui. Criatura: O Horla. Origem: Possivelmente extraterrena. Capturado no Brasil. Alimenta-se da essência vital dos humanos. Necessita beber água constantemente.
— Hi, hi, hi. Esqueceram de colocar o boneco aí dentro!
— Lembraram de deixar a vasilha com água. Acham que sou idiota. Vou pegar nosso dinheiro de volta! — reclamou o pai.
Uma vitrina feita junto a uma das paredes de madeira comportava uma máquina complexa. Continha uma cama de metal acoplada a circuitos, fios e chaves de alta voltagem. O pai leu a plaqueta:
— Artefato: Máquina do Dr. Frankenstein. Criada em 1816. Cuidado: A tempestade é capaz de conceder a vida. O homem não deve almejar os poderes de Deus.
— E quem teria capacidade para tanto? — o pai ironizou o alerta.
Foram em frente. Os passos do pai pesavam sobre as tábuas que rangiam. Os pezinhos da menina, no entanto, pareciam plumas deslizando no assoalho encerado.
— Um caderno velho — disse a menina indicando outra caixa.
— O diário de Renfield. O documento que Bram Stoker não teve acesso.
— Quem é essa pessoa, papai? — a menina apertava e sacudia os dedos fortes dele para que respondesse a pergunta.
— Não faço a mínima ideia. Tem um livro de verdade ali. Talvez possamos saber quem é o autor.
O livro tinha aspecto antigo. Estava aberto. A capa era de couro, as páginas amarelas graças à ação do tempo exibiam letras e uma quantidade indecifrável de símbolos gravados com uma tinta vermelha.
— Livro: Necronomicon. Escrito por volta do século VIII depois de Cristo. Autor: Abdul Alhazred, o Árabe Louco. Integra os Mitos de Cthulhu. Cuidado: portas para outras dimensões podem ser abertas a partir das intrincadas regras do livro. O inferno é o menor dos seus males.
Um frio estranho percorreu a espinha da menina. Ela tremeu e se agarrou com mais força na mão e no braço do pai. Inferno era uma palavra que conhecia e da qual não gostava.
Ao lado daquela caixa de vidro, havia outra. Continha uma garrafa de bojo largo e pescoço comprido. Uma rolha a mantinha fechada. Um líquido escuro e esverdeado repousava em seu interior. O pai leu o texto:
— Peça: Fórmula do Dr. Jekill. Cuidado: Não beba. O outro se instalará em sua alma. Chega, filha. Vamos embora. Esse lugar está me cansando. Todo mundo sabe que o Dr. Jekill não passa de um personagem. Uma invenção de algum escritor lunático. Não acredite nessas coisas. Tudo aqui dentro é falso. Estou precisando de ar.
— Pai, vamos ver só mais um. Só mais um.
— O último, então. Ali tem outra cortina e não é a saída.
— Tá escrito na placa em cima da porta — a menina demorou um pouco pra juntar as sílabas — Te...rror...Su...pre...mo!
O pai ficou curioso, o que poderia ser pior do que aquele amontoado de bugigangas espalhadas em uma sala escura e pouco ventilada? A menina o puxou pela mão. Em seguida empurraram a cortina adentrando no pequeno e abafado aposento contíguo. À direita deles havia uma única caixa de vidro. Essa era a sua legenda:
— Réplica: Little Boy. Lançada em 06 de agosto de 1945 sobre Hiroshima.
Na parede da esquerda fotos e mais fotos em preto e branco referentes à explosão provocada por Little Boy aterrorizaram o homem. O pai colocou a palma da mão sobre os olhos da filha e a carregou dali. Alguns instantes depois, ele agradecia inconscientemente a Deus por poder respirar mais uma vez o ar puro e fresco da rua.
— O que aconteceu? — quis saber a menina apreensiva.
— Vamos a um brinquedo mais legal — o pai desvirtuou o assunto. Queria afastar todo aquele terror de sua retina.
— Eu quero ir à roda gigante.
— Seu pedido é uma ordem — tentou descontrair.
— Você não tá esquecendo uma coisa?
— O quê?
— Minha pipoca doce.
Os dois passearam o dia inteiro pelo parque. O pai guardou trancafiada a lembrança do Museu do Terror em um canto bem obscuro da memória. Preferia nunca mais lembrar daquele momento.

4 comentários:

  1. Gostei! Bonita homenagem aos contos clássicos.

    ResponderExcluir
  2. Ah, a historia inteira foi bem escrita e me prendeu - muitas eu nem consegui chegar ate a metade - e o final era esse? Ou seja, "sem final"? Apenas algumas historias relacionadas a contos e pronto ?
    Poxa, tava indo tão bem, poderia ter feito um finalzinho relacionado a outro conto clássico ou o seu final!
    Mas tu tem criatividade e sabe escrever bem. Parabéns!

    ResponderExcluir
  3. Gostei bastante do texto, mas fiquei esperando que algo aterrorizante acontecesse. Decepcionou-me nesta parte... Faltou o terror, na minha opinião. Mas o conto é muito bom mesmo!

    ResponderExcluir