quarta-feira, 20 de maio de 2009

O ESCOLHIDO

O vilarejo de Greenfield sempre foi um lugar agradável para morar. Seus habitantes costumavam dizer que em lugar nenhum do mundo existiria uma paz tão acolhedora. Uma paz que seria quebrada somente na noite de 15 de outubro de 1985. Os corvos sobrevoavam o milharal ao lado da velha casa de madeira. O vento gemia, como se fossem sussurros de uma velha bruxa. As janelas de vidro da casa balançavam violentamente. Havia um ar de incerteza que pairava sobre a região. A porta abria e fechava, e com o impacto de cada batida, escutava-se o ranger das dobradiças.

Ele parou seu carro preto Mustang e acendeu mais um cigarro. Ajeitou a gravata, deu uns bons tragos enquanto observou o céu. Uma nuvem cinzenta pesada pairava sobre a casa. Eles diziam que uma criança havia morrido dentro da lagoa. Junto com seu pai. Foi um suícidio lamentável, que poderia ter sido evitado. Desceu do Mustang e guardou o maço de Marlboro dentro do bolso da camisa branca. Olhou para os pneus do carro, estavam um pouco gastos. Abriu o porta-malas e pegou sua valise preta. Caminhou de frente para a porta da casa, e sentiu arrepios por todo o corpo.

O vento se tornou uma brisa insistente como os latidos de um cão raivoso. A porta estava entreaberta, e ele pôde sentir um aroma de rosas vermelhas. Ficou de frente para o corredor, escutou um barulho de televisão ligada. Caminhou mais um pouco. Um turbilhão de moscas andava sobre a mesa da cozinha. Observou pratos cobertos de lodo sobre a pia. E mais adiante uma cadeira de rodas que se movimentou por um momento. Fechou rapidamente as janelas de vidro. A cadeira não poderia ter se movimentado. Segurou a respiração e pegou mais um cigarro. Girou a roda do isqueiro, mas não funcionou.

Jogou o cigarro de volta para o maço. Atravessou o corredor e olhou-se diante de um grande espelho circular pendurado na parede. Percebeu um vulto que passou rapidamente. Não, estou apenas imaginando coisas..., o padre pensou. O aroma das rosas continuava cada vez mais forte. Entrou em um dos quartos da casa e viu uma pequena caixa de músicas. Um silêncio fúnebre foi interrompido apenas por um leve gemido. Como se fosse um choro de um criança. O padre se assustou. Olhou embaixo da cama. Viu uma pequena criatura enrolada em um lençol branco. Era um bebê.

Ele então abriu sua valise preta e pegou uma bíblia e um terço. Começou a orar insistentemente. O bebê não parou de chorar. O padre ficou deitado no chão, olhando para ele, desconfiado. O silêncio voltou a perturbá-lo. Ele então esticou as mãos para pegar a criança. Ela sorria e olhava para o padre com uma alegria inesquecível. Até que gritou como um bode velho. Seus berros de bode altos fizeram com que o padre gritasse :

- Saia da casa, Satanás !

O bebê parou de berrar. O padre olhou novamente e viu que não era uma criança. Era a cabeça de sua filha.

Ele então abriu a bíblia e orou durante muito tempo. Aos poucos a visão que teve evaporou-se em uma neblina cinzenta e gelada, que cobriu todo o quarto. Ouviu-se então um barulho forte de um vento agonizante. E novamente o silêncio sepulcral. Centenas de moscas invadiram o quarto. Escutou uma voz perturbadora :

- Papai, estou aqui. Venha me buscar.

O padre saiu da casa assustado e desesperado. Pegou seu isqueiro e tentou acender um cigarro, não conseguiu. Percebeu alguém se aproximando perto de seu carro : um homem, aparentando uns 60 anos de idade. O senhor estava com uma expressão séria no rosto, como se tivesse visto uma assombração. Ele sorriu para o padre, um sorriso mórbido. Então disse :

- Não tente brincar com coisas que desconhece.

- Quem é você ?

- O aleijado. Tem um cigarro ?

O padre se aproximou e tirou um cigarro do maço. O homem levantou a mão para pegar, quando viu seu próprio braço despencando sobre a grama. Começou a chorar, e disse :

- Eles fizeram isso comigo.

- Eles quem ?

- Os escolhidos. Eles também irão te escolher.

O homem saiu correndo desesperadamente no meio da mata. O padre entrou em seu carro e enfiou a chave para ligá-lo. Não funcionou. Olhou ao redor, e viu um bando de pessoas acorrentadas que rastejavam e rangiam os dentes. Começaram a esmurrar o Mustang, o padre voltou a orar. Parecia não adiantar em nada suas orações. As pessoas batiam cada vez mais forte no carro. O padre continuou orando, até que olhou para a entrada da casa. Viu alguém saindo para fora em uma cadeira de rodas. Era o mesmo homem que havia corrido para a mata. Estava sentado e segurava a cabeça da filha do padre, que olhava incrédulo e horrorizado.

A partir daquele dia o vilarejo de Greenfield foi um lugar inesquecível para alguns. Seus habitantes costumavam dizer que os mortos agora descansavam. O padre morreu na noite de 15 de outubro de 1985. Os corvos sobrevoavam os campos verdes ao lado da velha casa de madeira. O vento gemia, como se fossem sussurros de um velho religioso. As janelas de vidro da casa estavam bem fechadas. Havia um ar de tranquilidade que pairava sobre a região. E com a morte do padre, os espíritos voltaram a descansar.

3 comentários:

  1. Já começa com o clichê do milharal,eu adorei como o Seu Deus,só que no final me decepcionei também,muitooo bem escrito,mas não gostei do fim,chega a ser meio sentido,mas ta valendo,em geral daria 10 por escrita,5 por enredo.

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  2. Gostei do conto, como o Ming disse, muito bem escrito, passa um bom clima de terror. Só achei um pouco curto, poderia continuar a estoria. Nota 9

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  3. Vc teve uma boa idéia, mas acho que se perdeu um pouco no enredo. algumas coisas precisam ser melhor explicadas, pois ficaram fora do contexto da história.
    boa sorte !!

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