segunda-feira, 25 de maio de 2009

NASCIDO NO DIA DO SENHOR

Bem, vou contar pra vocês algo que um amigo de um amigo meu me contou. O que rolou com o meu camaradinha, o Domênico.

Veja só você, Domênico é o tipo de cara que inspira confiança. Um negão alto e magrelo, de uns trinta anos e com sorriso aberto, cheio de dentes brancos na cara preta. Sempre com uma palavra amiga, sempre com um conselho bem-vindo, sempre calmo. Domênico é tão gente boa, é tão sangue-bom, que ninguém, ninguém jamais acreditaria se eu contasse que ele saiu no pinote do morro. Com toda a féria da semana, junto com sua filha pequena, a Mariana. Levando algo como, no mínimo, uns quinze mil reais. Pelo que soube, pra bancar alguma operação urgente da pequena.

Nos tempos em que o dono da boca-de-fumo era o Manuelzão, talvez houvesse até perdão. Uma sova de arriar os quartos, a expulsão dele e da família do morro e pronto. Afinal, era o Domênico! Quinze anos de serviços sem falta. Trabalhou de “vapor”, “fogueteiro”, “olheiro” e o escambau. Alguém que tinha passado a cuidar da contabilidade do tráfico tão direitinho que nunca deram falta de um centavo sequer.

Mas, desde que Manuelzão foi grampeado e o Luizinho Tinhoso tomou seu lugar, ninguém no seu juízo perfeito faria o que Domênico fez. Eu me lembro muito bem de quando era o Tico que cuidava do caixa da boca e ele deu sumiço numa mixaria, uns quinhentos paus, para pagar uma dívida e repor depois. Dívida de jogo, eu acho. Quando Luizinho descobriu a diferença, juntou seus capangas mais violentos e arrastaram o Tico lá pro “microondas”, no alto do morro. E, pelo que me contaram, foi uma covardia.

Primeiro porque, pra humilhar o Tico, arriaram as calças do coitado e uns dois capangas enrabaram o pobre à força. Logo Tico, que se gabava de ser muito homem, de ser comedor. Depois, Tinhoso meteu a faca no bucho dele e deixou o sujeito berrando com as tripas de fora. Terminaram o serviço largando ele pendurado de cabeça pra baixo no lixão. Tipo, pros ratos o comerem vivo durante a noite. Todo mundo escutou ele gritando e ninguém teve coragem de fazer nada. No dia seguinte tava o corpo lá, todo comido, cheio de urubus ao redor. Até dentro da barriga tinha rato.

Domênico fugiu então com a filha pra casa da bisavó dele. Uma velha bem velha de uns noventa e lá vai fumaça, quilombola lá de Brejo dos Crioulos. Ele achava que estaria seguro lá porque o morro onde a bisavó dele mora é controlado por uma milícia. Ele pensava que Tinhoso não teria coragem de ir atrás dele lá.

Uns três dias depois que estava escondido com a menina na casa da velha, a “bisa” jogou os búzios pra Domênico. E ela olhou ele bem no grão do olho, com aqueles olhos pequenos e cheios de cataratas, porque não tinha visto nada de bom. Ele pediu então um trabalho bem pesado pros orixás. A velha era poderosa, sabia coisa do tempo dos escravos. Estas coisas que se passam de mãe pra filha, de avó pra neta. Mas a velha falou: “Num dá tempo Domê, os orixás atendem quando querem. Num é assim!” Foi então que ele pediu pra ela algo mais. Alguma coisa que deixou a velha apavorada. Um troço que ela jamais faria pra qualquer pessoa. Mas, ele não era qualquer pessoa!


No mesmo dia, de noitinha, Domênico tava fumando seu cigarrinho e bebendo sua cervejinha sossegado perto da birosca do Pimpão na subida da favela, quando um monte de carros e motos cercaram o lugar. Ele não reagiu porque não era bobo nem nada. Levou uns tapas e enfiaram ele no carro e levaram pro morro onde Tinhoso era o chefe da boca. Subiram com ele pro “microondas” e começaram a dar porrada na cara. Só socão. Quando ele tava todo ensanguentado, perguntaram: “Quem é que manda no morro? Quem é que manda nesta porra?”.

Ele falou algo baixinho que ninguém escutou. Perguntaram de novo e ele disse de novo algo muito baixo. O Fernando Malandrinho, que era um dos negões mais parrudos e braço direito do Luiz Tinhoso, chegou o ouvido bem perto da boca do Domênico e perguntou de novo.

O que eu vou contar foi coisa que um menino que tava no alto de uma árvore viu. A história passou de boca em boca e pode ser que eu esteja exagerando. Mas eu boto fé que foi assim mesmo que aconteceu.

Pois, quando o Malandrinho chegou o ouvido junto da boca do Domênico, ele não respondeu. Ao invés de responder ele mordeu a orelha. Mas mordeu tão bem mordido, feito um bicho, sei lá. Mordeu e girou o pescoço feito um leão. Arrancou a orelha com os dentes e puxou a metade da pele do rosto toda junto. Praticamente arrancou o rosto do desgraçado.

Com a boca cheia de carne e sangue, Domênico começou a rir. Todos ficaram apavorados, porque aquela não era a boca dele. Aquilo não era boca de gente. Era quase um rasgão que ia de orelha à orelha e tinha tanto dente que não parecia possível caber numa boca só.

E ele, que até então, estava ajoelhado levando porrada, arrancou a camisa e se levantou. Não era mais o Domênico, o negão simpático, que tava lá. Era coisa muito maior, muito pior.

O pessoal não pensou duas vezes. Eles sacaram os berros e saíram pipocando pra cima dele com tudo. Mas ele só ria, porque as balas derretiam e escorriam pelo corpo. Nem arranhavam o filho-da-puta. O bando se apavorou e tentou fugir. Mas, do nada, surgiu uma parede de fogo fazendo um círculo bem no meio do “microondas”.

Ficaram lá se olhando apavorados sem saber o que fazer. O bicho que foi o Domênico, jogou a cabeça para atrás, levou as mãos cheias de sangue e as esfregou no rosto todo feliz. Como se estivesse gozando ou se preparando pra gozar depois. Da cabeça, montes de cobras surgiram e a criatura gargalhava que nem louca. Sabe, não se movia feito gente. Ele meio que dançava, cada movimento seu não era natural.

De repente, parou de rir e começou a falar muito sério com uma voz tão arranhada quanto giz numa lousa : “Há favores que, de tão prazeirosos, nem precisariam ser cobrados. Há aspectos de mim mesmo que não deveriam ser despertos. Eu não sou o Exu-Elegbara brincalhão do povo negro. Porém sim, o que outros povos também antigos chamavam de Belial. Quanto a vocês, podem me chamar do que quiserem, pois não fará diferença alguma.”

Dito isto, ele rasgou as calças do Domênico que ele ainda vestia e exibiu, com orgulho, o pau ereto, gigante e espinhoso. Os gritos foram escutados no morro todo a noite inteira. A criatura só ria e gozava com todo o tipo de atrocidade. Depois de violentar Tinhoso por umas tantas vezes, parece que o beijou, enfiando a língua comprida garganta abaixo e revirando e puxando suas tripas pela boca depois. Virou o infeliz pelo avesso.

Quando amanheceu, no dia seguinte, só havia restos queimados e rasgados por todos os lados e o chão estava pegajoso de tanta porra e sangue espalhados.

O mais incrível foi o que me contaram depois. Que, o tempo todo, Domênico esteve na casa da sua bisavó, xingando baixo pra filha não escutar palavrão, enquanto tentava segurar o controle remoto da TV com as mãos enfaixadas, agora, sem os polegares dados em oferenda.

É o que eu sempre digo. O cara não é marrento, o sujeito é gente fina, é malandro das antigas. Levaria tiro por um amigo numa dura dos meganhas e tal. Mas, não fode com ele não. Não fode, porque ele pode te foder direitinho em troca!

16 comentários:

  1. Tô de queixo caído!!! É o mais bacana e original conto que já li. Parabéns!

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  2. Putz =/
    Achei bem confuso, e o texto não respira saca... a leitura bem cansativa. Mas legal a intençaum!

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  3. O melhor conto até agora, de longe. Parece coisa de escritor profissional, vibrante, bem escrito, coloquial na medida certa.

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  4. Gostei, diferente e criativo. Muitos erros de português que podem e devem ser corrigidos. Um conto original.

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  5. Gostei demais do conto. Muito, muito criativo. Violento, meio grosseiro e divertido também. É o melhor que eu li neste concurso.

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  6. eu não achei coloquial na medida certa,achei um texto com excesso total em plebeísmo,melhor enredo,pior escrita=pior conto(em minha humilde opinião).

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  7. Este eu não consigui ler ate o final. Ficou confuso!
    Como disse alguem ai em cima, a leitura é cansativa tmb! De longe não é meu favorito =]

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  8. Não entendi a escolha do título.

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  9. Olá! Quem falou que a história tem um excesso de plebeísmo está equivocado, acho eu. Plebeísmo é algo bem diferente, plebeísmo é um vício de linguagem que ocorre quando termos, expressões, regionalismos ou gírias do dia a dia são colocados em textos formais, onde a linguagem deve ser apenas culta. Plebeísmo é usar termos informais quando não se pode usar termos informais, o que não é o caso dessa história! Num conto onde o narrador faz parte de certo meio social, então ele deve sim usar os termos do lugar onde mora, senão a linguagem fica pouco convincente, imagina alguém da favela narrando a história com linguagem culta, ficaria ridículo! Oh, preconceito, hein? Hehehe. Não é disso que estou falando, sei que existe gente inteligente nas favelas, mas a maneira de falar é muito própria deles. Alguns de vocês podem até não gostar dessa linguagem, opinião é opinião, mas acho melhor não denominar o recurso de maneira errada, né? A linguagem empregada não é "plebeísmo", já que está perfeitamente inserida no contexto; acho que seria um coloquialismo "próprio do morro", por assim dizer. A maioria dos autores, inclusive os renomados e ganhadores do Nobel da literatura usam o recurso de “diálogos do dia a dia”. Então, não dá pra dizer que é um recurso ruim, e não acho que houve exagero de seu uso no conto, foi na medida, conforme alguém disse aí em cima. Leiam esta obra prima de Rubem Fonseca, chamada Feliz Ano:

    http://www.releituras.com/rfonseca_feliz.asp

    Não estou comparando a qualidade do conto do concurso - que é muito bom, mas nem tanto, né! hehehe - com o excepcional texto do famoso escritor, mas o uso da linguagem "do morro" segue exatamente os mesmos padrões, com a pequena diferença de não ser na primeira pessoa. E acho que ninguém diria que o Rubem Fonseca usou "plebeísmo" em seu texto, né?

    Mas isso tudo é só minha opinião, ta? Adorei o conto!

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  10. Bruno: acho que a explicação pro nome do conto é a seguinte (posso estar enganado) : Domênico = nascido no domingo. Domingo = dia do Senhor. Logo... rs

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  11. Eu digo sim que Rubem Fonseca usou plebeísmo em seu texto,ele utilizou um vício de linguagem de forma proposital,num conto que não era terror,cheguei a gostar do jeito que ele aplicou plebeísmo.


    Mas não gostei do jeito que esse aqui foi escrito,é horrível de se ler,se fosse só o plebeísmo junto de muitos detalhes,poderia até ter gostado,mas falta detalhes também,o enredo seria muito bom,o melhor na verdade,se bem escrito e em outra forma de escrita.

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  12. Achei o texto bem escrito.

    O narrador evidentemente tem origem em favelas e faz uso de expressões usadas na mesma. Estranho seria se não fizesse.

    Original, bem escrito, bem apresentado e personagens desenvolvidos bem, tendo em vista o tamaanho máximo de caracteres para o concurso.

    Até agora meu preferido.

    lele

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  13. Achei a história muito boa, só faltou um pouco mais de trabalho com o texto. Que o autor continue escrevendo.
    p.s.quem é esse MIng que nunca gosta de nada?

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  14. Puts, meu comentário foi o de número 13? uuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu, que sorte!

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