segunda-feira, 15 de junho de 2009

FOBIA DICTIÓPTERA

Elas estavam ali, ele sabia. Escondidas nos cantos, observando-o, julgando-o e planejando a melhor maneira de atacá-lo. Seus corpos achatados subindo nas paredes ou reunidas em buracos escuros e nauseantes vivendo em colônias e cidades. Até podia ouvi-las! Falando mal dele, murmurando coisas como demônios saídos do inferno ocupando pequenos e nojentos corpos.

Uma lembrança remota martelava-lhe a cabeça. O seu primeiro contato com elas, quando os seus dedos roçaram inconscientemente aquele tórax amarronzado, com asas cobrindo o abdômen segmentado. Ele, num movimento reflexo se agitando e a antena do ser encostando em sua palma e as patas... Oh!As patas! Gritou na hora, correndo para o banheiro, lavando suas mãos que encostaram no inseto viscoso. Sabão, desinfetante, detergente, água sanitária, álcool... o nojo se avolumava e a vontade de raspar a pele da mão com uma faca não lhe parecia na hora tão insana.Demorou para sentir-se completamente limpo.

A partir daquele dia a repugnância por baratas o inundou e uma alegórica fobia alojou-se em seu cérebro. Em seu apartamento, inseticidas banhavam os cômodos e superfícies tocáveis. E nenhuma barata jamais o importunou.

Mas agora ele não estava em seu apartamento. E errônea e estupidamente esquecera qualquer inseticida.

E o pavor o dominava.

A escuridão se instalava no quarto, densa e pesada, no momento em que se dava conta em que enrascada se metera.

Ele rapidamente pegou uma vela que estava na gaveta da cômoda. Depois pegou um fósforo no bolso de trás da calça jeans que se encontrava na quina da cama, ali guardada para acender seus habituais cigarros. Não se atrevia a afastar os olhos da abundante escuridão que pairava sobre si, temendo que se assim o fizesse algo caísse sobre ele e...

O estalar e silvar do fósforo quebrou o feitiço perverso, e um pequeno brilho de luz trêmulo afastou a escuridão, levou-o até a vela, acendendo-a e logo depois o candelabro encima da cômoda.

Ele estava na cama, sozinho e desprotegido, enquanto as baratas mancomunavam contra ele. Tramando coisas a qual não podia defender. Pensou em acender a luz, mas Elas estavam no chão e se pisasse em uma...

Tremeu.

Tentou dormir, querendo afastar aquilo; sua mente racional tentando derrotar freneticamente o seu crescente terror, lutando para a controlar a situação.

(Não tem nada!)

Um ruído perto do ouvido.

Virou o rosto não avistando nada.

Começou a rezar, vendo, porém ser perceber seu desespero se alastrando rapidamente como morcegos em uma casa e suas orações se transformando em um misto de palavras sem nexo.

Começou a ouvir o zumbido de uma vespa que batia descontrolada de encontro ao teto, quando sentiu algo roçar em seu cabelo. Tremeu por inteiro e numa ação reflexa levou a mão até lá, tentando afastar qualquer corpo estranho que queria se alojar ali.

Nada novamente.

O coração batia descompassadamente. O peito subia e descia numa respiração entrecortada e assustada. Sentiu outro roçar. Agora no braço. O agitou num movimento descontrolado.

Elas estavam ali, sem duvidas.

Ouviu algo se chocando, como o quebrar de um graveto. Mas aquele ruído não era nenhum barulho normal da noite, não era o som da madeira a estalar, nem dos canos a ressoar. Tinha a certeza que era o esqueleto externo rígido das baratas batendo um contra o outro.

Um frio na barriga. Os olhos agitados. Engoliu saliva e seu pomo de adão subiu e desceu conforme o liquido que escorria goela adentro.

O zumbir da vespa é como um prelúdio.

Ele suava, não de calor, mas de medo. Puxou a coberta para junto de si numa tentativa tola e infantil de se proteger. Ele se encolheu como uma criança com medo do bicho papão.

O silêncio se instalou. A pausa para o acontecimento clímax.

Até que deu um grito, sentindo um roçar em seus dedos dos pés. Os balançou tentando tirar os seres repugnantes que subiam por ali. Eram baratas! E elas subiam por seus pés, avançando ainda mais pelas pernas, joelhos, coxas... com patas asquerosas e nojentas.Elas estavam ali! E suas sombras se alastravam pela parede. O abrir de asas como anjos. Anjos do inferno.

Fechou os olhos e não queria ver aquelas antenas móveis, longas e filiformes que serviam para identificar os alimentos antes de devorá-los com suas mandíbulas horizontais. Os pêlos nas suas 6 pernas, longas e finas; o corpo achatado permitindo entrar em lugares estreitos; a cabeça cuneiforme, algumas possuíam asas. E os olhos... podia jurar que os olhos eram vermelhos incandescentes. Vermelho sangue.

Aqueles insetos nauseabundos avançavam por seu corpo. E ele se virava e se mexia descontroladamente, tentando impedir que eles subissem ainda mais. Era enlouquecedor ter sua epiderme tocada por aquilo.

(Oh Deus!)

Gritava mais alto, pedindo socorro. Com as mãos batia nas baratas, esmagando-as e fazendo com que seus esqueletos externos se quebrassem e uma gosma verde e branca saísse. E essa gosma tocava sua pele, gelada e nauseante. Vomitou, expelindo uma bílis amarelada que escorria por sua boca e empapava a cama. Sua cabeça, as vezes, encostava no vomito tendo sua face inteiramente molhada pelo liquido desagradável.

As baratas vinham debaixo de sua roupa, eram dezenas, centenas, milhares... Algumas tentavam entrar em seu anus, avançando pelo reto. Outras ainda forçavam a se introduzir no buraco do seu pênis, entrando pela sua uretra.

E o pavor deu lugar a dor.

Ele olhou para baixo não avistando nada abaixo da cintura, era como se tudo tivesse desaparecido, mas não, eram as baratas que o cobria semelhante a um cobertor marrom-escuro que avançava cada vez mais, sendo iluminadas pela luz amarelada da vela acesa.

E tudo isso era acompanhado pelos barulhos repugnantes que aqueles insetos faziam, os exoesqueletos se chocando, as garras arranhando, as asas farfalhando.

O horror. O sofrimento. A dor. A vertigem. O desespero. Tudo se misturava dentro do âmago de seu ser, se mesclando e corroendo sua sanidade. Correndo ele próprio.

As baratas alcançaram sua barriga, o seu peito, os seus braços, os seus ombros, a sua face... e elas subiam pelo queixo e entravam pelas criaturas nojentas.

Ele tentava cuspi-las, sua língua passando nos corpos asquerosos delas.

Então ele começou a morde-las, fechando a boca e mastigando-as. A gosma verde e branca era acompanhada pelas patas e cabeças das baratas em pedaços. Mas eram tantas...

E ele vomitou de novo perante tamanho asco, o vômito grudando na garganta, impedido de sair por causa dos insetos que ali se alojaram. Ele estava se asfixiando e numa tentativa desesperadora de sobreviver, engoliu tudo. Num trago só. As baratas mortas e o vômito. Depois fechou a boca novamente, não se importando com o gosto pavoroso. Mas, mais baratas tentavam entrar ali, e ele conseguia impedir e chorava e não conseguia.

E elas entraram.

E invadiram toda a boca e avançavam indo goela adentro, pela garganta, pela faringe... e elas também tentavam entrar pelo nariz, tapando as narinas completamente.

Ele não conseguia mais respirar.

Agora, as baratas tapavam-lhe os olhos molhados pelas lagrimas e iam cobrindo inteiramente sua face, toda a cabeça. A dor... e então ele soube mais do que nunca que certamente iria morrer.

As baratas cobriam completamente sua pele, pisando nele com suas pequenas garras e patas. Elas e ele, ali, formando um só. Uma massa informe, amarronzada e abominável.

Ele deixou-se ficar assim, pois nada podia fazer ou podia protegê-lo, nem o cobertor, nem a luz, nem a vespa, nem nada.

E quando a chama da vela se apagou, afundando em sua própria cera, as baratas ainda estavam ali, dando seu ultimo abrir de asas angelicamente diabólico; as baratas e o frio da morte.

O terror é como uma bomba, se não explode, não serve para nada.

3 comentários:

  1. muito bom o texto!
    adorei a premissa e o desenvolvimento...
    o terror psicológico e mesmo as descriçoes do ataque...
    gostei bastante!

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  2. Puta que pariu! Cara eu trabalhei por vários anos com controle de insetos. Baratas inclusive! O seu conto é uma escrotidão! No bom sentido da palavra é claro! Ele é muito bem colocado, descrições impecáveis, uma síndrome do pânico extremamente bem descrita. Eu ousaria até a dizer que poderia ser uma overdose de benflogin!
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    Li ele todo de uma vez só e quase não respirei! Se você trocasse por escorpiões eu até iria sugerir que o personagem principal fosse a minha esposa. uhauahuaha. tamanho o panico que ela tem!
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    Por enquanto o seu conto é o nascido com o nome do senhor são os dois mais originais que eu li.
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    Agora a critica pesada: você precisa corrigir os erros de português!!!!! Eles tiraram uma boa parte do brilho de seu conto. Preste atença nisso!
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    Boa sorte

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  3. Achei muito bom tb! Realmente dá nojo e aflição ao ler. Parabéns!

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