segunda-feira, 15 de junho de 2009

O MÉDICO E A PACIENTE

Chamam-me Leonardo, e sou advogado, mas assim como dou para as leis, existem os que dão para a engenharia, outros para a arquitetura, outros para a literatura e a escrita... Mas todos nós temos algo em comum, na doença precisamos de um médico para cuidar da nossa saúde e para nos dar mais anos de vida. De sorte que o médico pertencente a cada um de nós habita um lugar muito obscuro, quase sempre muito escondido, no nosso interior. Mas há tempos atrás, eu descobri onde ele morava.

Era num casarão assobradado de palafita no meio da roça, no meio do nada, em que a energia elétrica não chegava e onde a luz de lá na noite, só existia quando o clarão da lua penetrava pelas janelas daquele sobrado ou com as luzes das velas e das lamparinas, que o nosso médico acendia.

Certa noite, ele voltara pra sua casa já tarde da noite com a sua paciente desmaiada entre os braços. E o desmaio não era casual, aconteceu à base de muitos calmantes.

Mas o nosso médico não tratava de seus pacientes enquanto eles estavam adormecidos, pois o seu curso de medicina em seus sonhos durante as suas curtas noites de sono não lhe ensinou isso, nem tampouco que para tratar dos pacientes, eles deveriam ter alguma enfermidade.

Muito pelo contrário, os seus pacientes deveriam ser tratados enquanto acordados, e antes mesmo de qualquer moléstia. Pois os tratamentos deles não visavam proporcionar a saúde que a maioria dos médicos almeja aos seus pacientes. O nosso médico não via na saúde dos corpos como sendo coisa positiva. Mas para ele as coisas deveriam funcionar à sua maneira. Era assim que aprendera nos sonhos!

E começado o tratamento, a nossa paciente foi deitada em sua maca metálica e resistente forrada por um lençol branco que não era a comum usada pelos médicos que geralmente conhecemos, mas daqueles que habitam os nossos subconscientes e que muitas vezes não temos noção de que tais possam existir dentro de nós mesmos. Esta era redonda com 4 metros de diâmetro e tinha vários pares de furos, alinhados como os extremos de uma reta, onde se encaixaria os membros de seu corpo. Um par para o pescoço, um par para os pulsos dos braços, um par para prender as pernas pelos tornozelos, um par para a cintura, um par que ficava mais ou menos entre os peitos e a cintura e outro para a genitália, caso o paciente da noite fosse um rapazinho, o que não ocorrera nessa noite. Por cada furinho existia uma corda onde ela saia por cima da maca, prendia o membro do paciente e saia por debaixo pelo outro furinho, que no final se amarrava em laços rígidos e quase impossíveis de serem desfeitos. E assim, o nosso médico tirou-lha as roupas que eram em tons claros e quase desbotados e os sapatinhos cor-de-rosa de brilho acentuado, e logo em seguida a nossa paciente foi fixada naquela maca incomum que só ele tinha, ao lado de Bonzinho, o cachorro de raça dobermann do médico que estava amarrado de forma a quase encostar o focinho sobre a paciente para sentir-lhe o cheiro da carne viva mais de perto. A vestimenta branca do médico contrastava com a negrura brilhante da pelagem de Bonzinho com a luz da lua que entrava pela sala e demais cômodos da casa.

Fora tapada com suas próprias meias enroladas a boca daquela infeliz. Não era uma, pois não bastaria para que os gritos fossem abafados. Tanto é que a mão daquele médico teve de primeiro enfiar a primeira meia enrolada de modo a quase tapar-lhe a epiglote e tirar-lhe o ar. Mas de modo a não tirar-lhe a vida antes de realizar o seu prazer que seria tratar de forma peculiar a paciente ainda viva. Pois o prato bom se come ainda quente. E era assim que o nosso médico pensara desde que as suas aulas de anatomia com cadáveres gelados ou ainda em formol o enjoaram. Que se devia operar o paciente ainda acordado e sem auxílios de anestesia...

A nossa paciente acordava. Nossa, pois somos parte do pensamento daquele médico, e o que irá acontecer faz parte das minhas e das suas idéias. O nosso médico não age apenas por vontade própria, mas guiado pela vontade mais íntima ou inconsciente de cada um de nós.

E fora assim que passadas algumas horas, a nossa paciente acordara. Seus gritos surdos não atravessavam as meias de sua boca, nem os seus membros poderiam se mover. O nosso médico fora até a cozinha procurar uma de suas facas para mais aquela cirurgia que só ele sabia como fazer. A luz da lua entrava pela janela da cozinha e iluminava-lhe um lado de sua face. Abriu a gaveta vagarosamente, pegou a faca e voltou até a sua sala de cirurgia silenciosamente. Mas o nosso médico não gostava de facas amoladas daquelas de cortar carnes, ele preferia as grandes facas de serra que muitos usam para cortar o pão, mas que não é muito eficiente para as carnes. Segundo ele, quanto mais a carne demorasse a ser cortada melhor ficaria a sua cirurgia naquela que era a nossa paciente!

O máximo que a nossa paciente conseguiria fazer era retorcer o pescoço de um lado para o outro e suar de tensão desesperadamente. Mas aquele médico sabia que esses atos da vítima pré-cirurgia eram comuns e não demorou muito para que começasse a exercer o seu ofício. A faca encostou-se aos mamilos daquela nossa paciente, que não mais poderia chegar a fazer brotar leite e com as pontas dos dedos polegar e indicador direitos, o nosso médico erguia os bicos dos seios dela e vagarosamente ia deslizando a faca em sentido horizontal para frente e para trás de modo a fazer um trabalho eficiente, e de seio para seio, eles perderam o seu ar de naturalidade e os bicos dos seios foram jogados ao Bonzinho, que apreciava os seios como se fossem a entrada do prato principal.

A nossa paciente estava presa naquela maca e nada poderia fazer a não ser gritar seu grito que se fazia mudo por causa daquelas meias... Malditas meias que tentam abafar a dor daqueles que precisam gritar!

E o médico deslizara para as partes inferiores do corpo daquela moça e como de costume, começara pela perna do lado direito e com a faca de serra fazia os movimentos de vai-e-vem sobre o tornozelo de modo a arrancar dela os seus lindos e delicados pés que só as mais moças poderiam ter. Do calcanhar direito, ele passou para o esquerdo. A faca não era das afiadas, nem das de cortar carne, o que dificultava um pouco o trabalho do nosso médico, assim como a paciência e a agonia daquela moça. E por que não dizer a agonia de espera do nosso salivante Bonzinho, que só se alimentava nas noites de plantão de seu dono.

O sangue vermelho rubi começou a escorrer e o médio deveria fazer o seu trabalho o mais breve possível, se bem que a faca não o ajudasse como eu já lhes mencionei.

Foi a vez do pulso direito, que era cortado enquanto as pernas sem os pés da moça se mexiam e se remexiam por vontade da paciente, numa tentativa desesperada de fugir, mesmo sabendo que se caso conseguisse se soltar daquelas cordas, pouco ela conseguiria se mover... Afinal, a falta dos pés, a dor que não era das suportáveis e o líquido avermelhado saindo de suas pernas poderiam fazê-la escorregar e até mesmo a fazer engasgar com o seu próprio sangue. O braço esquerdo o doutor deixava para o final.

Do pulso direito, o medicou começou a cortar pouco abaixo dos joelhos das pernas, num movimento de vai-e-vem constante que por mais forçado que fosse, era demorado e desgastante. A culpa era da faca. Enquanto a faca cortava a carne daquelas pernas e um dos lados que o corte separava teimava em voltar para trás, o outro resistia em ficar pela frente.

As sobrancelhas da moça estavam apertadas uma contra a outra ao mesmo tempo em que a sua testa se fazia em dobras. E os seus olhos, ora arregalados quase saltando de suas órbitas. Ora fechados, quase colando as suas pálpebras umas nas outras. E a expressão da moça ganhava mais uns 20 anos de idade, que ela não chegaria a ter...

A força para o grito embora presente e incapacitada devido aquelas meias que sua avó lhes dera meses atrás, era agora reaproveitada de modo a tentar se desfazer daquela dor, seja numa fantasiosa anestesia que o nosso médico não teria para ela, seja tentando deixar de pensar em tudo. Mas se a sua força interior não conseguiu produzir um efeito sonoro de dor, ela também não conseguiu anestesiar, nem fazê-la deixar de pensar naquele instante...

E enquanto os seus cotocos se debatiam sobre a maca lançando sangue a metros de distância contra as paredes e demais móveis da sala - que o médico julgava ser a sua sala de cirurgia - e Bonzinho se alimentava com as partes que lhes eram jogadas, o médico arrancara da paciente as suas bochechas com a sua faca de serra de cortar pão.

Então, fora a vez dos lábios da boca... A paciente já não queria mais viver. O importante era deixar de sofrer. O necessário agora era morrer...

Seus olhinhos de moça que estavam fechados foram abertos forçadamente pelo médico. Ele furou os olhos da paciente e girou a sua faca tanto em sentido horário quanto em sentido anti-horário, e arrancou-lha as orelhas e o nariz, que foram arremessados à Bonzinho. Seus olhinhos não mais poderiam brilhar, nem demonstrar qualquer sentimento ou emoção... Fosse de alegria, de terror ou de tristeza. A operação da paciente estava quase que concluída, e o sorriso no rosto do nosso médico era evidente. A moça, já sem poder exercer sua expressão facial, fazia o médico crer na realização pós-operatória dela.

Ela não demonstrava sinais de entristecimento, seus olhos estavam furados e mortos. Suas bochechas rosadas deram lugar a dois enormes buracos em sua face, das quais se poderia ver as suas meias brancas enroladas. A sua falta de lábios obrigava-a a mostrar os dentes. Por falta de outras provas, o nosso médico viu na paciente sinais de grande felicidade.

Por fim arrancou-lha a cabeça e o braço dela por inteiro, que foram arremessados a Bonzinho, que já se alimentava de gula. Picotou-lha o corpo já morto, dessa vez com o auxílio de uma foice e de uma enxada que buscara em seu porão, logo depois que a moça havia virado cadáver.

A carne se esfriara e a operação perdera a graça, o nosso médico deixara de ser médico naquele instante. Quem sabe dias depois ele volte a exercer a sua prazerosa profissão... E em sua realização profissional curar também a si próprio, transferindo sua tensão, sua raiva, seu desespero, suas mágoas, suas angústias, suas desilusões e suas tristezas aos seus pacientes. Que na cura deles, curava mais a ele mesmo. Assim se fazem os médicos...

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