segunda-feira, 15 de junho de 2009

INOCÊNCIA DETURPADA

Uma pacata família da cidade de Belo Horizonte, assistia ao “Jornal Nacional” tranquilamente. Bocejavam muito, já haviam se acostumado a assistir várias reportagens sobre crimes violentos. Nada mais os chocavam desde então.

Jorge então chegou, cumprimentando a todos com seu visível cansaço, típico de um pai de família que sempre trabalhou para sustentar sua esposa Mônica, e seus filhos de oito e 12 anos de idade. Sentou ao sofá, perto de sua mulher. Assistiam a todas as cenas de violência do noticiário, com uma frieza conflitante.

Alguns minutos se passaram, o apresentador do telejornal falara com grande espanto que a cidade de São Paulo estava sendo completamente destruída por crianças de cinco a dez anos de idade, estas crianças estavam matando seus pais e familiares, e a todos que viam pela frente. Nem os policiais estavam conseguindo conter essas atrocidades. Jorge ficara pasmo, pois havia poucos fatos que o fazia surpreender-se atualmente:

- Que horror! – balbuciou, com a voz falha e rouca.

- Devem ser esses pivetes que não tem mãe. Você é muito idiota de se chocar com esse tipo de situação, francamente. – disse Mônica, pilheriando de seu marido.

Tinha na voz sempre uma constante arrogância, e nunca perdera a oportunidade de humilhar o marido, principalmente na frente de vizinhos. Jorge, por sua vez, sempre foi completamente submisso a mulher.

Inesperadamente, eis que uma explosão devastadora fluiu em seus ouvidos, acompanhadas pelas cenas da TV. Havia um repórter filmando tudo escondido, em tempo real, e perceberam que as crianças agiam como loucas. Neste exato momento, a cena mostrava os pivetes jogando bombas de fabricação caseira rumo aos policiais, que tentavam detê-los utilizando inutilmente de bombas de gás lacrimogêneo. A cena era espantosa, viam-se crianças de idade primária portando facas, objetos cortantes e até mesmo revólveres.

Mônica olhava tudo aquilo absorta, e gritou com seus filhos:

- Breno! Denílson! Vão já para a cama!

Denílson sentira medo de sua mãe, e saiu arrastando seu irmão mais novo para o quarto. Mônica tinha receio que aquelas cenas viessem a influenciar seus belos filhos, sentiu uma angustia profunda assim que as viu. Estava ciente de seus próprios defeitos, mas em compensação sempre foi uma ótima mãe, e orgulhava-se disso.

Mônica e Jorge continuaram assistindo as cenas, e notaram com repulsa a crueldade daquelas crianças. Na tela, viram uma pequena garotinha, que devia ter por volta de sete anos de idade. Tinha cabelos louros, olhos de um negro frio e profundo, e sorria para a câmera, tentando simular uma inocência infantil, o que lhe era impossível. Parecia que esta pequena criança sabia o foco perfeito da câmera do repórter, sorriu de forma demoníaca, e olhou para os lados, avistando um pequeno cãozinho vira-lata, passando do lado de suas pernas. Com uma rapidez sobrenatural, a garota pegou o mirrado cão, acolhendo-o em seus braços. Acariciou-lhe a cabeça com calma, pegou uma pequena adaga que estava no bolso de seu lindo vestido cor-de-rosa, sorriu para a câmera com uma tremenda perversidade no olhar, e fora cortando aos poucos a jugular do cão, em sua lâmina mortal. O doce cãozinho grunhia de dor, retorcendo-se compulsivamente, lambia a minúscula mão da garotinha, implorando por sua vida. A criança, por sua vez, deliciava-se com a dor do pobre animal. Quando decepou o cão finalmente, olhou com um estranho brilho no olhar para a câmera, e pegou a cabeça deste ser inofensivo, jogando-a com agressividade na lente da filmadora. Olhando para a TV, estagnados, Mônica e Jorge viam neste momento um mar de sangue em sua tela, poderiam notar a estranha coloração dos olhos da diabólica garotinha, se não estivessem perplexos em meio ao rubro que se instalara na transmissão.

A mulher, imediatamente desligou seu televisor, jogando o controle remoto a uma longa distância. Sentiu-se zonza e com o estômago revirado, vomitou em meio ao carpete da sala de estar. Chorava muito, de uma forma descontrolada, sentia revolta de ter visto tudo aquilo há segundos atrás. Jorge segurou seus ombros com cautela, guiando-a ao quarto do casal. Não falavam absolutamente nada, apagaram as luzes, deitando-se logo em seguida. Sabiam que não dormiriam esta noite, por mais que tentassem se distrair.

Os dias arrastaram-se pesarosamente, o casal nutria olheiras nítidas e profundas. Após a aberração que viram na TV, não conseguiram mais dormir em paz. E quando tentavam, eram tomados por escabrosos pesadelos, que muitas vezes os fazia acordar ao meio da noite, com gritos tensos e sufocados. A partir deste dia, o noticiário noturno fora abolido de suas vidas, de forma brusca.

Certo dia, Denílson voltara da escola. Ao cair à noite, ligou a TV da sala, com o seu simples caderno escolar em mãos. Neste momento passava o noticiário das 20 horas, e Denílson anotava algo com extrema atenção. Sua mãe dirigiu-se ao cômodo em que ele se encontrava. Percebera que o jornal neste momento relatava os casos da estranha devastação infantil no Brasil, e foi tomada por uma fúria insana. Aproximou-se ofegante do televisor, derrubou-o no chão, e esbravejou com filho:

- Já disse que não quero ninguém aqui assistindo a esta droga de TV nesta hora, não disse, seu moleque?!

- Mamãe, você está louca? Era só um trabalho escolar. – falou o garoto, totalmente atordoado.

Mônica começou a chorar compulsivamente, batendo suas mãos na poltrona em meio à cólera. Por fim, calou-se, absorta em sua própria loucura. Depois deste dia, compraram outro aparelho, mas Denílson sequer o ligou. Tinha medo dos atos de sua mãe.

Algumas semanas depois, Mônica notou que seu filho Breno espirrava muito e vivia com entupimentos em suas narinas. Teve medo de ser a rinite alérgica o atacando novamente, pois sabia que o filho já tivera sérios problemas com isso. Levou-o ao médico, porém este não constatou nada de anormal em relação ao garoto, disse que seu filho estava totalmente saudável. Porém Mônica notara que bastava o filho pisar no consultório médico, que seu nariz parava abruptamente de ter corrimentos, porém logo ao sair, este mal voltava de forma mais intensa que antes. Temia muito por seu filho, que piorava ao longo do tempo, chegando até mesmo a sangrar pelo nariz.

Nesta mesma época, tomara conhecimento que a devastação das crianças, que havia sido transmitida pela TV, chegara finalmente em BH. Não ligava mais o aparelho para absolutamente nada, proibira seus filhos de irem até mesmo a escola, tendo em vista que a destruição estava mais pavorosa a cada dia que se passava.

Certa vez, estavam todos tranquilamente em casa, quando ouviram um barulho ensurdecedor de crianças gritando pelas ruas. Distinguiram alguns sons, que lhe pareceram ser fortes pancadas contra alguém. Apavoraram-se de imediato, correram rumo à cozinha, e abraçaram-se fortemente. Mesmo com todas as diferenças, amavam-se muito, e não queriam que ninguém desta família acabasse como a pessoa que certamente fora morta neste exato momento, em meio às ruas daquele lugar.

Um silêncio sepulcral predominara depois de alguns minutos, sentiram-se um pouco mais aliviados, e caminharam todos em direção à sala de estar. Quando ouviram uma batida na porta de casa, sobressaltaram-se imediatamente. Jorge olhara de soslaio para Mônica, os olhos de ambos lacrimejaram, em meio ao sofrimento de perder um ao outro. Neste momento, abraçaram-se com fervor. Mônica jurava pra si própria, que caso sua família se livrasse de tudo isto, amaria seu marido, como o amou um dia, em sua remota juventude.

Jorge desvencilhou-se de sua esposa, indo em direção a porta de sua casa. Mônica o implorou, com lágrimas em seus olhos:

- Não, por favor!

Seu marido abaixou a cabeça, e continuou a caminhar para a entrada da residência.

Jorge abriu a porta vagarosamente, olhando apenas pela fresta da madeira rústica e desgastada. Por fim, abriu-a completamente. Era Lígia, uma senhora evangélica, amiga de Mônica de longos anos. A mulher adentrou a casa, completamente ensandecida, balbuciava efusivamente palavras sem nexo:

- É o Apocalipse que chegou, na TV falaram que são alienígenas... Mas eles têm os olhos roxos! São discípulos de Satanás!

Os olhos de Lígia esbugalhavam-se, demonstrando sua insanidade.

- São elas, as crianças... Mas não são crianças, são servos de Satanás! Eles matam suas próprias famílias! Mataram meu marido agora, a facadas.

Lígia chorava muito, e Mônica estava abismada. Por fim, ouviram-se os barulhos dos gritos das crianças novamente, aproximando-se cada vez mais do local. A confusa senhora demonstrava seu total estado de pavor, quando olhou para todos, dizendo:

- Devem ter me visto entrar aqui, e querem me matar também! Ó meu pobre filho, possuído por esses infelizes! Vamos fugir agora daqui, tenho uma casa que está pra alugar, é na rua próxima a esta!

A senhora tomou partido, guiando a todos pelos cômodos da casa de seus vizinhos, que já conhecia como a palma de sua mão. Todos os outros temeram o que Lígia disse, e seguiram-na rumo à janela do quarto das crianças, na qual havia uma saída para a outra rua. Pularam para fora da casa, e logo ouviram as crianças adentrarem o local com total fúria, que se assemelhava a uma manada de elefantes.

Correram durante um longo tempo vendo diversas formas que se assemelhavam a naves espaciais no céu, lançando seus raios multicores rumo ao solo, causando devastação total. Viam crianças pelas ruas matando as pessoas cruelmente, com uma psicopatia abominável. Temiam serem mortos por esses seres, que jamais poderiam ser chamados de crianças. Eram monstros frios e calculistas. A multidão de carros e pedestres que tentavam salvar-se, correndo pelas ruas, era imensa.

De forma milagrosa, todos chegaram ilesos à casa da velha senhora, que adentrou ao local, trancando a porta logo em seguida. Parecia que haviam passado despercebidos aos “demônios” que estavam à solta nas ruas. Estavam todos em estado de pânico. Lígia contou a eles que a antiga moradora desta casa havia sido morta, logo quando estas estranhas criaturas possuíram as crianças do local. Entregou um jornal impresso para que Mônica pudesse ler, e logo na primeira capa estava escrito em grandes dizeres CRIANÇAS DOMINADAS POR ALIENÍGENAS ATACAM A TODOS.

Assim que viu a notícia, lançara com as mãos trêmulas o jornal em uma pequena poltrona. Teriam que lutar muito para conseguirem sair vivos desta cidade. Todos se olhavam espantados, ouvindo as sonoras gargalhadas sádicas das crianças, tirando a vida de pessoas inocentes do lado de fora. Ouviam diversos sons semelhantes a raios chocando-se de forma avassaladora a algum lugar próximo a esta rua.

Ao passar do tempo perceberam que estes maléficos sons tornaram-se escassos, e foram deitar-se. Mesmo sabendo que não conseguiriam dormir, teriam que fugir daquele local no dia seguinte.

Na casa, havia um quarto para cada um. Mônica deitara-se abraçada ao marido, este a acalentou carinhosamente, fazendo-a dormir em seguida.

No decorrer da madrugada, Mônica acordara e notou que seu marido já não estava no leito. Dirigiu-se a cozinha para beber um copo d’água, e ouvira uma movimentação no quarto em que estavam seus filhos. Caminhou em direção a este cômodo, ascendendo às luzes em seguida.

Não havia meios para conter seu espanto, viu quase todas as pessoas daquela casa mortas de forma vil, caídas ao chão do quarto, completamente ensangüentadas. Mas ainda havia um sobrevivente, era Breno. Estava de costas, e virou seu rosto em direção a sua mãe, vendo-a em prantos.

Duas grossas lágrimas caíram dos olhos de Mônica, quando viu seu filho sangrando pelo nariz, e portando uma faca em mãos. Seus olhos tinham uma estranha coloração violeta. Finalmente entendera sobre o que sua velha amiga lhe falou sobre o olhar das crianças. Mas era tarde demais, sabia agora que os segundos de sua vida estavam contados, e rendeu-se ao fatídico destino.

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