segunda-feira, 15 de junho de 2009

A BELEZA DE TEREZA

Ao ouvir passos apressados ecoando no ambiente vazio da igreja, Cristina tentou esconder com um capuz o rosto da jovem sentada ao seu lado. Suas mãos trêmulas nem bem terminaram a tarefa, quando foram agarradas por uma mão forte.

- Pare com isso! – ordenou o jovem padre, Tadeu, sentado no banco atrás delas.

- Mas... Eu não sei mais o que faço. A cada dia ela está mais feia...

- A beleza dela não está na parte de fora, mas de dentro.

- Mas, senhor, esta manhã encontrei minha vaca leiteira decapitada... Fui ver Tereza na cama e ela estava toda ensangüentada. Estou com muito medo.

Enquanto a menina permanecia imóvel, sentada ao lado da mãe, o padre descobriu-lhe a cabeça e acariciou-lhe os belos cachos dourados.

- Você não consegue enxergar a beleza dessa menina. O que você tanto teme? Somente os pecadores devem temer algo.

- Senhor, entenda, por favor! Minha filha é uma aberração! Todos os tratamentos que ela fez com vocês não trouxeram resultados. O tempo passa e ela piora... Conversei com meu marido e ele pediu que eu viesse até aqui. Precisamos de ajuda!

- Você precisa de ajuda, realmente. Ela, não. É uma criatura divina. Não é, minha querida?

Lentamente, a jovem virou-se para o padre, revelando seus doces olhos azuis que lacrimejam. Sua pele alva tornara-se vermelha no momento em que começara a chorar.

Cristina ficou olhando para a filha e observou, atônita, as lágrimas negras que rolavam em seu rosto repleto de olheiras e veias saltadas.

- Venha, minha querida. Por mais que tentemos, sua mãe nunca lhe aceitará do jeito que é. – diz o padre, levantando gentilmente uma das mãos de Tereza, conduzindo-a para longe da mãe.

- Não! O que está fazendo? Minha filha é perigosa! Vou interná-la!

- Você devia amá-la do jeito que ela é, não tentar fazê-la ser do jeito que você quer.

Aos prantos, Cristina leva as mãos à cabeça, quando escuta um barulho muito alto. Percebendo que vinha da porta da igreja, a mulher direciona o olhar para um homem que tranca a porta de entrada, em seguida correndo na direção dele e abraçando-o fortemente, trêmula.

- Amor! Ajude-me! O Padre Tadeu pensa que estou errada. Você viu o que aconteceu hoje. Conte para ele! Conte daquela menina que sumiu também! Conte do...

- Cale-se! – esbravejou Gusmão, o marido de Cristina, tirando suas delicadas mãos de cima dele, largando-a de joelhos no chão, e caminhando na direção de Tereza e do Padre.

- Sua benção, Padre. – disse, beijando uma das mãos de Tadeu.

- Deus te abençoe, meu filho.

Tadeu abriu um largo sorriso, analisando atentamente Cristina em seu esforço de levantar-se, e alegou:

- Sua mulher está precisando de tratamento, Gusmão.

- Sei disso. Ela está vendo problema em tudo, Padre. O que o senhor acha melhor fazer? Acha que minha filha não serve para esse mundo.

- Todos servem para esse mundo, Cristina! Todos! Deus tem um plano para todos nós! Tereza também é parte dos planos de Deus! – gritou, fazendo com que sua voz ecoasse e chegasse como se fosse espinhos aos ouvidos de Cristina.

- Pare com isso! Eu não consigo entender. Gusmão, você também está contra mim? Não consegue ver que sua filha não é normal? É quase um demônio?

- Não, meu amor. Nossa filha é uma criatura de Deus e deve ser respeitada e cuidada por nós. – afirmou, virando-se para a menina, fitando a linda face serena da garota e tocando sua pele de veludo com as pontas dos dedos.

- Você está louco! Todos vocês estão loucos! – gritava a mulher, desesperada, chorando incessantemente, ao mesmo tempo em que notava as unhas de Tereza que cresciam gradualmente.

Tereza, parada ao lado do padre, sorria com os lábios semicerrados, enquanto o mesmo arrumava seus longos cabelos e murmurava algumas palavras em seu ouvido.

- Eu vou sair daqui se vocês não me derem uma explicação! – alertou a mulher, histérica.

- Vai deixar sua filha aqui? Largar sua cria deste jeito? Leve-a com você... – propôs Gusmão.

- A filha é sua também, Gusmão. Vou levá-la, sim. Não quero deixá-la com vocês, que parecem estar enlouquecidos.

- Enlouquecida, com certeza, está você, minha cara. – disse Tadeu.

- Pois bem. Eu estou louca, não é? Algum de vocês, por acaso, percebeu que as unhas dela estão crescendo enquanto conversamos aqui?

Os dois homens olharam para as mãos da jovem, com suas longas unhas e, simultaneamente, concordaram com a cabeça.

- Está maior mesmo. Que bom, não é? – disse Gusmão, dirigindo-se ao padre.

- Muito bom mesmo. – respondeu Tadeu, sem pestanejar.

- Como isso pode ser bom? Nenhuma pessoa normal tem unhas que crescem tão rápido! Desde que ela era menina, eu tenho que cortar-lhe as unhas duas vezes ao dia! – gritou a mulher, seguida por um silêncio absoluto, que foi, por fim, quebrado por Tadeu.

- Se você ainda não percebeu, devo avisar-lhe que Tereza não é uma pessoal normal. É uma criatura divina que está na Terra a serviço de Deus, que tem um plano para ela.

- Cansei desta história. Vamos, filha. Vamos sair daqui.

Vendo que a jovem não obedecia, Cristina ordenou:

- Vamos, Tereza!

- Eu acho que você não deveria falar assim com ela. Meio grosseiro, não acha? – questionou o padre, jocosamente.

- Não, não acho. Filha, vamos!

Novamente, Tereza não se moveu, o que fez com que Cristina caminhasse até ela, ainda com o corpo trêmulo, agarrando-lhe violentamente o pulso, que começou a sangrar. Consternada, a mulher deu um grito de desespero e um pulo para trás.

- O que é isso, minha filha? – questionou, sem obter resposta.

- Isso não é nada. Você a machucou. – afirmou Gusmão.

- Não, não machuquei! Estou falando que estou assustada com tudo isso! Vou sair daqui e chamar a polícia!

Gusmão e Tadeu olharam-se, sorriram um para o outro e começaram a caminhar na direção de Cristina, que andava para trás evitando que tocassem nela. Gusmão, um pouco irritado, decidiu começar a explicar o que acontecia:

- Você não nos deixou fazer a nossa parte!

- Que parte? Do que você está falando, Gusmão? – questionou a mulher, ainda caminhando para trás, em direção à porta de entrada da igreja.

- Já dissemos que Tereza é um presente que Deus nos enviou. Um ser superior, que tudo pode. Um ser belo como ninguém mais.

- Belo, como?! Nossa filha está a cada dia mais feia!

- Para os seus olhos. Para os meus, que entendo a missão dela e que quero ajudar, Tereza é a criatura mais linda que existe. – disse, olhando para a filha e tocando-lhe docemente o rosto. – Uma moça angelical, que está aqui apenas para ajudar, para fazer justiça.

- Que justiça é essa? – indagou Cristina, a poucos metros da porta da igreja.

O padre Tadeu, ainda tentando alcançar Cristina, juntamente com Gusmão, olhou para trás, onde havia permanecido Tereza, e fez-lhe um aceno com a cabeça, solicitando que se juntasse a eles, pedido que a moça atendeu prontamente, colocando-se entre sua mãe e a porta. Encurralada, Cristina parou onde estava e deu um giro com o corpo, percebendo que estava cercada.

- Vocês vão me matar? – perguntou, ajoelhando-se no chão.

- Por que a mataríamos? – questionou o padre.

- Não sei. Não fiz nada.

- Pois eu posso dizer-lhe algumas coisas que você fez, que estão em desacordo com o que deve ser seguido.

- O que, por exemplo?

- Por exemplo, o próprio fato de negar a própria cria.

- Não estou negando, só quero ajudar!

- Ajudar, como? Ela deve seguir a natureza dela. Você apenas ajudaria se o permitisse.

- Mas ela está se tornando num monstro, numa assassina!

- Graças a nós, que estamos esforçando-nos para isso. E monstro é uma palavra pesada demais. Ela é uma arma de Deus. Assassina em nome do senhor.

- Como isso pode ser?

- Sua filha tem poderes sobrenaturais, uma força de trinta homens, capacidade de correr quilômetros sem se cansar...

- Pára com isso! Como você sabe disso?

- Eu sei porque convivo há muito tempo com ela e...

- O tratamento!

- Sim, um ótimo tratamento. Ela não poderia estar melhor. E você, como mãe, deveria estar atenta às habilidades dela, mas preferiu ver defeitos na menina.

- Minha filha tem dezesseis anos e não fala! Como isso pode ser normal?

- Já disse! – gritou Tadeu, irritado – ela não é normal. É um ser divino. Se não fala é porque Deus não quer.

- Quero sair daqui! – exigiu Cristina, virando-se e dando de cara com Tereza recostada à porta. – Filha, deixe a mamãe sair.

Com olhos que pareciam mais pertencer a um animal selvagem do que a um ser humano, Tereza olhou para Gusmão, como que a esperar um comando.

- Infelizmente, minha esposa, devemos despedir-nos agora. Você já sabe de tudo, pode morrer em paz. – afirmou Gusmão, sorrindo.

- Vocês são doentes. Filha, vamos comigo. Dê-me a mão, querida. – pediu a mãe, estendendo uma das mãos à jovem.

Parada, a moça fitava Gusmão e Tadeu, aguardando ordens. Não precisou mais que um movimento de cabeça do padre para que Tereza penetrasse suas compridas garras nas costelas de Cristina. Enquanto a mãe não parou de agonizar, a assassina não teve ordens de nenhum dos dois homens de tirar suas unhas do corpo da mãe.

Depois do último suspiro de Cristina, foi dada a permissão para que Tereza fosse lavar as mãos e, com um cortador de unhas, teve suas garras cortadas por Gusmão, enquanto Tadeu escondia o corpo da mulher morta.

Em alguns minutos, os três estavam prontos para sair à rua. O padre cobriu a cabeça de Tereza com o capuz e abriu a porta da igreja. No momento em que pai e filha cruzaram a porta, o padre chamou a moça para ir até ele, a dois passos dali, e beijar-lhe a mão. A jovem menina, com seu rosto celestial, foi até o religioso, beijou-lhe a mão com seus lábios rosados, sorriu-lhe dum sorriso afetuoso, e retirou-se de braços dados com o pai.

Já na rua, a poucos metros de casa, cruzaram com uma vizinha da família, a quem Gusmão cumprimentou com um movimento de cabeça e Tereza com um aceno de mãos. Por um breve momento, o capuz da moça escorregou, revelando o rosto mais animalesco que aquela senhora já havia visto, o que a deixou apavorada e fez com que apressasse o passo, sem nem ao menos imaginar que receberia uma visita noturna da bela menina Tereza.

4 comentários:

  1. "Lentamente, a jovem virou-se para o padre, revelando seus doces olhos azuis que lacrimejam. Sua pele alva tornara-se vermelha no momento em que começara a chorar."

    No lugar de lacrimejam, talvez você devesse usar lacrimejavam... Talvez foi um erro simples de digitação... acontece!

    A narrativa sustenta ao longo da narrativa uma curiosidade com o leitor sobre o que Tereza deveria ser, se uma pessoa boa ou má...

    Ao longo da narrativa, o autor sustentou com o leitor uma curiosidade sobre o que Tereza deveria ser. Se um anjo ou um monstro...
    E por algum tempo o autor até chega a questionar se a Cristina estaria louca ou se existiria alguma espécie de conspiração entre Tadeu e Gusmão contra Cristina.

    Em certo diálogo na narrativa eu cheguei a ficar confuso sobre quem que dialogava com a Cristina, se era o padre ou o pai da menina...

    Um conto que me instigou a curiosidade, mas que porém não saiu muito da descrição dos fatos. Seria legal se tivesse mais interatividade com o leitor... Afinal, a interatividade num conto de terror é muitas vezes prezada pelo leitor.

    Me parece que o autor tentou concentrar o terror da narrativa na personagem Tereza. Mas faltaram descrições emocionais e das ações das personangens... Ficaria mais "interativo" caso o autor tivesse se preocupado com isso...

    O conto poderia ter mais partes como essa:

    "Parada, a moça fitava Gusmão e Tadeu, aguardando ordens. Não precisou mais que um movimento de cabeça do padre para que Tereza penetrasse suas compridas garras nas costelas de Cristina."

    ...

    Eu não tenho formação pra ser crítico literário... Apenas estou contribuindo com a minha opinião... Façam isso vocês também!
    Abraços!

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  2. Olá, Leandrito.

    O correto seria "lacrimejavam" mesmo... Falha minha!
    Agradeço os comentários, que com certeza me serão úteis em futuros textos.

    Um grande abraço,
    ?

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  3. Gostei da história, mantem o suspense e prende a atenção do leitor. Mas tem um quê de A Profecia.

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  4. Oi, Ge Dias.

    Agradeço muitíssimo o comentário. É realmente difícil escrever algo que não remeta a outras criações, mas tentarei usar de mais criatividade na próxima!

    Abraços,
    ?

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