segunda-feira, 15 de junho de 2009

DO OUTRO LADO DO ARCO-ÍRIS

Mariana chegou a casa pelas quatro da tarde. Estava muito frio. Aquele maldito lugar sempre estava frio. Não entendia como seu pai poderia se mudar para tão longe. As vezes é preciso mudar algumas coisas na sua vida para conseguir uma boa proposta de emprego, mas sair de São Paulo para morar na Irlanda era ridículo. Pior que isso, uma menina de 17 anos trocar as noites badaladas da grande São Paulo, para acabar em um vilarejo esquecido por Deus em outro continente. Sua irmã de 14 anos gostava menos ainda da idéia.

-Pai? Lu? –Mariana gritava enquanto entrava.

-Oi, irmã! O pai saiu. Falou que ia passar a noite fora para resolver algumas coisas do trabalho. Talvez só volte no sábado. –A menina estava embrulhada em um casaco.

-Novidade. Agora ele só liga para esse trabalho imbecil.

Luciana balançou a cabeça, concordando com a irmã. Naquela quinta fazia duas semanas que estavam presas naquele fim de mundo e ainda não haviam feito as pazes com o pai. Mesmo se quisessem não poderiam. O homem não parava mais em casa. O vilarejo era longe de Dublin, local onde ficava seu novo emprego. Além do mais, a casa, em si, era relativamente distante do centro da vila. Não custou caro, estava na medida do que podiam pagar. Um grande campo fazia parte da nova propriedade. O pai acredita que o custo barato do local era pela sua distancia de grandes centros urbanos. Estava errado.

-Advinha só? Tem mais uma brasileira na escola!

-Sério? –Luciana abria um sorriso no rosto.

-Aham. Conheci hoje. Conversamos horas! Ela morava no Rio de Janeiro e também veio parar aqui por causa da família. Convidei ela pra passar o fim de semana. O que acha?

-Acho ótimo! Gente nova! Não agüento mais ficar aqui sozinha. Papai ainda não me matriculou na escola. O tédio ta me matando, não tem mais nada de legal para fazer nem na internet.

-Relaxa. Amanhã a gente vai se divertir bastante!

As irmãs riram e foram preparar chocolate quente. Conversaram até a noite cair. Combinavam o que iriam fazer no dia seguinte. Talvez explorar os arredores fosse uma opção. A propriedade era grande e não queriam entediar a nova amiga dentro de casa.

Mariana conduzia Débora pelo grande campo que cercava sua propriedade. O ônibus as havia deixado em Mirilin, o pequeno vilarejo próximo a casa das meninas, mas andavam há quase uma hora. Há muito tempo não viam sinal da vila, apenas o verde dos campos e montanhas distantes.

-Você anda isso tudo, TODO dia, para ir pro colégio?

-O que se vai fazer? Por aqui não passa ônibus, nem tem estrada. E ninguém de charrete da vila aceita me levar ate em casa.

-Por que?

-Não sei direito. Pelo que entendi, eles falam que é assombrado. Da pra acreditar?

-Assombrado? –A menina carioca despontava um sorriso. –Tipo com fantasmas e tudo mais?

-Acho que sim. Não da pra entender direito o que aquelas pessoas falam. Bem vinda a um dos poucos lugares da Irlanda em que só se fala Celta Nativo.

-Você devia comprar um furgão, arrumar um cachorro falante e começar a resolver mistérios! –As meninas riram. Continuaram conversando pelo caminho. A conversa ajudava a ignorar o frio.

Luciana descia as escadas. Ouvira a porta abrindo e estava esperançosa de ser sua irmã com a convidada. Para sua felicidade estava certa.

Mariana apresentou as duas e se deram melhor do que se podia esperar. Por quase três horas conversavam sem parar. Falavam de homens, do Brasil, de baladas, de como não gostavam daquele país. A conversa continuou, até que começaram a falar sobre o medo que as pessoas da vila tinham do local.

As meninas maiores decidiram brincar do jogo copo. Luciana estava desconfortável, mas participou da brincadeira.

Débora conduzia o copo disfarçadamente, aprontando respostas. Mariana percebeu e auxiliou a amiga. Em certo ponto da brincadeira, sem que nenhuma pergunta fosse feita, o copo formou uma estranha palavra:

F,O,G,O,V,E,R,D,E

Mariana não havia entendido a brincadeira da amiga.

Luciana estava pálida de medo. As meninas resolveram explorar o campo, mas a pequena estava muito assustada. As amigas revelaram para ela, entre risadas, que na verdade elas que mexiam o copo. A princípio, a garota ficou chateada, mas depois estava rindo com as outras duas.

O campo era mesmo muito grande. Já estava quase anoitecendo quando Débora encontrou uma passagem muito estranha. Era ao lado de uma montanha próxima, escondida entre uma parede da montanha e uma grande árvore. A passagem parecia estreita, de forma que apenas uma das meninas a passaria sem problemas. Luciana se esgueirou pelas rochas. Queria mostrar que era corajosa. Quando chegou do outro lado, gritou:

-Gente, vem cá!

-Que foi, Lu?

-Vem Ca, Débora! Só vendo!

As meninas entraram na passagem. Ao final dela encontraram um espaço relativamente grande, aonde deveria haver entrada para luz, afinal estava claro como dia. Até mais claro que o lado de fora da. Haviam dois pequenos lagos de onde se formava um arco-íris. Parecia mágico. Aquilo tudo parecia. Como iriam explicar aquilo dentro de uma falha de formação rochosa? Foi Mariana que encontrou um baú, enquanto explorava o novo local. Estava em um buraco entre os dois lagos.

-Venham cá!

-Que isso? –Perguntou Luciana.

-Parece um baú.

-Vai ver tem tesouro aí dentro- Brincou Débora.

-Me ajuda a levantar, é pesado.

As meninas reuniram forças e conseguiram levantar o baú. Puxá-lo parecia muito mais fácil que ergue-lo. Foi Luciana que o abriu. E, nossa, Débora estava certa. A menina olhou três vezes para a irmã, incrédula. Ouro. Moedas de ouro que pareciam ser da antiga sociedade celta. Algumas aparentavam ser até mais velhas do que isso. Jóias preciosas das mais variadas cores e objetos estranhos e antigos, que com certeza renderiam muito dinheiro se vendidos à um museu. Era verdadeiramente um baú de tesouro. As meninas estavam eufóricas.

-Mas quem deixou isso aí? -Luciana indagou.

-Quem liga? Nós estamos ricas! –Débora exclamou. – Estamos, não é? –Perguntou, se preocupando se as meninas dividiriam o achado, afinal, estava em sua propriedade.

-Débora, se não fosse você a gente nem tinha encontrado isso. Um terço para cada uma! O pai não vai acreditar!

As meninas levaram o baú para casa. Era pesado. Levaram algum tempo até chegarem a casa. Não o deixariam jogado na sala. Iam passar a noite o admirando. Dividiram seu peso, esvaziando, descobrindo outros tesouros. Anéis com símbolos estranhos, cordões, pingentes, tiaras. A fortuna que teriam seria ilimitada. Ao subir com o baú recolocaram todo o tesouro de volta. Até o baú devia valer muita grana. Concluíram que aquele tesouro devia ter sido escondido por piratas, séculos atrás.

A noite prosseguiu. A conversa eufórica continuava. Falavam agora sobre o que fariam com o dinheiro. Falavam ininterruptamente há quase 4 horas. Somente o barulho de vidro se quebrando fez com que as meninas se calassem.

-Que foi isso? –Débora perguntou assustada.

-Alguma coisa quebrou. Um prato ou um copo. –Mariana respondia.

-Será que papai voltou mais cedo?

-Pai? – Mariana gritou, esperando resposta.

-Pai? – Agora era Luciana que se esforçava, mas o silencio novamente foi a resposta ao chamado.

Todas se entreolharam. Fosse o que fosse, não era o pai das duas irmãs que estava ali.

-Provavelmente é só o gato. –Mariana falou, tentando tranqüilizar as companheiras.

-É. Deve ser. Não devíamos dar uma olhada? De repente ele se machucou.

-Acho que sim. Alguém quer ir comigo?

Débora e Luciana se olharam. Não disseram uma palavra por quase dez segundos.

-Eu vou, Mari. Vocês são as irmãs mais medrosas que já conheci. –Brincou a carioca.

-Quer uma bolacha, Lu? Pego quando estiver lá em baixo. –A menina balançou a cabeça negativamente.

-Vocês podem comprar uma fábrica de biscoitos agora. –Disse Débora, enquanto descia a escada de mãos dadas com Mariana.

As meninas desceram a escada devagar. Se houvesse alguém na sala, poderiam voltar para o quarto e se trancar. Mas não havia ninguém. Quando desceram o último degrau olharam para a porta. Mariana pensou em conferir se a trancaram ou não quando chegaram, mas preferiu não descobrir. O bichano. Quem mais poderia ser? Foi ele quem quebrou o prato. As duas meninas seguiram para a cozinha.

Luciana continuou no quarto. Admirava as belas moedas de ouro guardadas no baú. Ainda não havia acreditado no que acontecia. Quem poderia esperar que um tesouro como aqueles estaria esperando para ser descoberto? Quais eram as chances daquilo ocorrer? Certamente era mais fácil ganhar na loteria.

Enquanto brincava com as moedas, Luciana percebeu uma estranha sombra se movendo em baixo da cama. Pulou para trás com o susto, mas se sentiu aliviada ao ver seu gato saindo debaixo daquele móvel. Levou alguns segundos para que voltasse a se desesperar. O gato estava ali dentro. Já fazia algum tempo que as meninas saíram do quarto. 5 minutos. Talvez mais. Por que estavam demorando? Ainda que tivessem ido pegar bolachas, não deviam demorar tanto.

-Mariana? Débora? –A menina gritou enquanto encarava a porta aberta.

Se dirigiu até o topo da escada.

-Isso não tem graça! –Gritou.

Voltou para o quarto. 5, 6, 7, 10 minutos se passaram. Luciana começava a chorar. Alguma coisa tinha acontecido. Chorou. Não podia ficar ali. Tinha de ver a irmã. Mariana faria o mesmo por ela.

Desceu as escadas vagarosamente. Cruzou a sala até a cozinha. Girou a maçaneta devagar. Viu sua irmã e Débora, deitadas de bruços no chão. As lágrimas brotaram novamente em seu rosto.

-Meninas? –Sua voz estava trêmula.

De dentro de uma das portas do armário, uma estranha figura saltou em sua direção. Luciana não o observou direito. Gritou e pulou para trás, fechando a porta a sua frente. Correu em direção ao seu quarto, subindo a escada correndo. Tropeçou em um degrau, batendo com a canela em outro. Quanta dor. Ouviu a porta da cozinha abrindo. Se esforçou e foi para quarto mancando. Quanta dor.

Trancou a porta atrás de si. E se jogou no chão. Não havia telefone no quarto. Apenas na sala, junto com o computador. Olhou para os lados. Não podia fazer nada. O que fora aquilo na cozinha? Era baixo. Muito baixo. Parecia um boneco. Ou uma criança bem pequena. Mas tinha barba. Uma barba vermelha, horripilante.

Ouviu batidas na porta. A maçaneta girou, mas a tranca impediu a entrada.

-Vai embora! Por favor! – A menina dizia entre soluços. As batidas continuaram. Então arranhões. Arranhões fortes. Um buraco começou a aparecer na porta. Bem baixo, na porta. As unhas daquilo apareceram primeiro. Depois seu braço. Uma manga verde.

-Não! –Luciana insistia no choro.

O buraco aumentou. Uma figura estranha adentrou no quarto. Não era maior do que a altura do joelho de Luciana. Mas parecia um homem. Nunca vira um anão tão pequeno. Vestia-se completamente de verde, com roupas velhas, usando um chapéu pontudo da mesma cor em sua cabeça, no chapéu, estava preso um elegante trevo, mas ao invés das habituais três folhas, havia quatro. Seu rosto parecia irado. Nunca viu tanto ódio em alguém. Luciana ficou muda. O homem se aproximou. Levantando e abaixando a cabeça enquanto andava. Quando estava com a cabeça baixa, sua aparência parecia mudar. Seu nariz ficava maior e mais pontudo, sua pele adquiria uma tonalidade sombriamente roxa. Aquilo não era humano.

O monstro parou ao lado do baú, pegando um punhado de ouro. Apertou as moedas em sua mão e olhou novamente para Luciana, enfurecido. A menina havia entendido. Haviam lhe furtado o tesouro. Implorou para que o homem levasse de volta. O homem só parecia com mais raiva. Mudava completamente. A pele tornara-se roxa. Seu rosto se desfigurou. O nariz pontiagudo. Suas unhas cresceram. Abriu a boca. Dentes amarelos e afiados. Deus, havia tantos dente. O pequeno saltou em direção de Luciana.

Algumas horas depois Paulo chegara em casa. Conseguiu sair mais cedo do trabalho, esperava fazer uma surpresa para as filhas. Ficariam felizes? Ainda que fosse tarde, as meninas não costumavam dormir cedo em uma sexta-feira. Achou estranho. A casa estava tão silenciosa. Tão silenciosa.

Um comentário:

  1. Bem legal! História criativa, clima de suspense de gelar a espinha! Parabéns!

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