segunda-feira, 15 de junho de 2009

NO CAMINHO DAS AMORAS

A volta para a casa, logo depois de Bia deixar a escola, era sempre cheia de molecagens. Houve época na qual Bia roubava rosas em jardins para enfeitar seus cabelos. Outras vezes, se enfiava em um salão de beleza e fazia testes nas unhas com diversas cores de esmaltes. Agora estava na fase de comer frutas no cemitério.

Os amigos de Bia achavam macabro esse desejo de passar horas entre os mortos. Ela dava de ombros e depois ria: aquela gente não sabia o quanto eram boas e especiais as tardes naquele local sagrado. Fora o silêncio, o campo-santo oferecia outras atrações: algumas alamedas eram tomadas por pés de jabuticaba, pés de goiaba ou de pitangas. O caminho predileto de Bia cruzava pés abarrotados de amoras.

Ela usava a entrada lateral do cemitério e ia percorrendo todos os corredores, observando os túmulos, parando de vez em quando para admirar esculturas religiosas, checar fotos e datas e cheirar flores.

Uma tarde a menina estava sentada em um banco, saboreando amoras bem pretinhas, suculentas, quando um jovenzinho pediu licença para sentar-se ao seu lado.

– Nossa, que garoto lindo, pensou Bia, reparando nos cabelos loiros, nos olhos verdes e no sorriso perfeito dele, que quase a deixou tonta. Olhou para si mesma e se achou horrível –estava de uniforme, suja de respingos de amora, com um rabo-de-cavalo malfeito e com as meias abaixadas, deixando a mostra as pernas cheias de marcas de tombos. “Ai, logo hoje que estou horrorosa, um gatinho vem puxar papo.”

A conversa entre os dois fluiu como fossem amigos de longa data. Ele parecia tão maduro para idade. Falava com tanta sabedoria e conhecimento que foi encantando Bia. Além de lindo, era extremamente simpático.

Depois de muita falação, eles caminharam juntos até a entrada principal do cemitério. O garoto, que disse se chamar Pepe, despediu-se ali e sugeriu um novo encontro no dia seguinte, na mesma hora e local.

– Cuidado ao atravessar a avenida, tenha atenção redobrada, gritou Pepe.

Por pouco Bia não ouviu o alerta. Ela já tinha se afastado uns bons metros, em direção à avenida. Pepe continuava parado, encostado ao portão, do lado de dentro do cemitério. A menina levou um baita susto ao ver um caminhão desgovernado ultrapassar o sinal vermelho e bater em um carro.

– Caramba, ainda bem que o Pepe deu aquele grito. Como ele sabia que ia acontecer um acidente?

Pepe e Bia se encontraram dias seguidos no cemitério. Ele sempre se despedia no portão, nunca levava Bia além daquele limite. Apesar de falante, Pepe guardava um ar misterioso. Não contava nada sobre sua escola, sobre seus pais, nem ao menos dizia seu endereço ou telefone. Mas constantemente tinha um bom conselho ou recomendação, que a livravam de um perigo.

A garota estava muito animada com a nova amizade. Ela não havia entendido a despedida de Pepe no dia anterior. Ele disse, com certa tristeza: “Até algum dia, querida”.

– Como até algum dia?, retrucou Bia. Amanhã virei aqui, no mesmo horário.

E lá estava a menina, na demasiadamente quente e ensolarada tarde seguinte. Bia sentou-se embaixo de uma amoreira para se esconder do sol. Esperou durante horas a chegada de Pepe. E nada de o menino bonito aparecer.

A garota fez o velho conhecido caminho até a entrada principal do cemitério. No meio do trajeto, um jazigo chamou sua atenção. Ela nunca havia reparado nele. A estátua de um anjo em oração destacava-se em meio a flores e fotos. Bia aproximou-se. Na lápide, as datas revelavam que um jovem de 15 anos havia sido levado inesperadamente do convívio da família. A foto do garoto loiro e a última saudação chocaram a menina: “Pedro Henrique, você nos deixou cedo, olhe por nós. Pepe, te amamos, você sempre viverá em nossos corações”.

2 comentários:

  1. O "terror" ficou para o final... O clímax também, mas não preencheu as nossas perspectivas... E nem foi muito além delas...
    Mas eu consegui me sentir dentro da trama... A autora conseguiu dar um ar angelical ao cemitério e nos convidar para dentro dele, para conhecer o Pepe, e ainda fazer nos tornar íntimos de Bia, sem forçar a barra...
    O interessante foi que o "terror" não veio por parte do cemitério, de suas "assombrações" etc... Mas sim, quando Bia descobre que o Henrique, ou o Pepe, estava morto... E eu até cheguei a ficar com pena dela, pois ela gostava do menino, até idealizava em ter algo a mais com ele, como demonstra nesse pensamento ou fala de Bia: [i]“Ai, logo hoje que estou horrorosa, um gatinho vem puxar papo.”[/i]
    Me apaixonei por esse conto... Mas ainda não sei se o meu voto vai pra ele.

    ResponderExcluir
  2. Leandrito, adorei seu comentário. E só mulheres são sensíveis para escrever contos de terror infanto-juvenis?

    Obrigada pelo quase voto!

    bj,
    A autora

    ResponderExcluir